Uma pesquisa em andamento no Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP deu origem ao primeiro panorama sobre a arqueologia de povos indígenas no território que compreende o atual Estado de São Paulo. O mapa interativo apresenta ao usuário uma visão espacial das diversas manifestações culturais indígenas presentes em território paulista.
“Estamos aqui tratando dos vestígios de materiais associados a grupos indígenas que ocuparam esta porção do Continente Americano desde tempos imemoriais. Não temos em nossos bancos de dados sítios associados ao contato com o elemento europeu ou africano”, explicam os pesquisadores do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisas em Evolução, Cultura e Meio Ambiente (Levoc) do MAE, responsáveis pelo mapa. O grupo justifica utilizar o termo “indígenas” ao invés de “pré-coloniais” por um motivo simples: o recorte não é cronológico, mas cultural.
Resultado de um Projeto Temático da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o mapa conta com mais de 2 mil dados que foram cadastrados, até o lançamento, a partir de um banco de dados produzido com a compilação de teses, artigos e relatórios, além de informações coletadas no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e na biblioteca do MAE. O banco de dados que alimenta o mapa será regularmente atualizado, podendo ampliar as informações disponíveis. “No banco de dados podem ser consultados desde os sítios pré-coloniais até sítios mais recentes, do início do século 20. É a primeira compilação que unifica todas as informações, nunca tivemos isso e é um grande avanço tanto para o conhecimento científico quanto para a comunidade em geral”, afirma Letícia Corrêa, historiadora pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), mestre e doutora em arqueologia pelo MAE e uma das pesquisadoras envolvidas na criação do mapa.
O banco de dados foi criado utilizando coordenadas de localização UTM e dados WGS 84, disponíveis em aparelhos de GPS. Em sítios arqueológicos mais antigos, cuja localização não é precisa, o grupo de pesquisa optou por fornecer as coordenadas do centro do município onde se situa. Um dos diferenciais do mapa arqueológico criado no MAE é a preocupação em apresentar a filiação cultural, informando sempre que possível o grupo indígena e o tipo de artefato encontrado, como pedras, lascas ou cerâmicas.
Para Astolfo Araújo, geólogo pelo Instituto de Geociências (IGc) da USP, mestre e doutor em arqueologia pelo MAE e coordenador do Levoc, a concepção do mapa só foi possível graças à interdisciplinaridade e colaboração entre diferentes áreas do conhecimento. Mas reforça a importância de se valorizar a informação advinda dos próprios povos tradicionais de cada território mapeado. “Esse é um problema com o qual nos deparamos: infelizmente uma quantidade significativa de sítios foi cadastrada sem nenhuma informação sobre sua filiação cultural. Isso até seria aceitável nos primórdios da arqueologia brasileira, digamos até os anos 1960, mas de lá para cá já há um grande volume de conhecimentos e a atribuição dos sítios a algum referente cultural é quase uma obrigação”, afirma ele acrescentando que diversos municípios do interior estão cadastrados entre eles a cidade de Iracemápolis.
Araújo explica que, a partir de cada relação entre local e tradição arqueológica determinada pelo mapeamento, fica mais fácil compreender e visualizar quais áreas eram ocupadas por cada povo indígena.
“A arqueologia tem um potencial enorme para dialogar com os grupos indígenas. Quando vemos algumas exposições, a impressão é que esses grupos não têm passado. Você nunca vê uma peça arqueológica exposta para mostrar como a presença deles é antiga”, completa o geólogo.